Alitta: do funk ao Prêmio Shell, artista soma trabalhos artísticos expressivos e abre caminhos para novas gerações *
Primeira
mulher trans e negra indicada ao Prêmio Shell, Alitta usa sua arte para
desafiar preconceitos e promover inclusão. Atriz, cantora e ícone da cultura
Ballroom, ela faz história com conquistas que vão do Brasil à Europa. Em 2025,
a artista inicia projetos retomando suas raízes no funk e com o nome Alitta,
que substitui Blackyva, como era conhecida antes.
Alitta,
multiartista negra e trans, é uma figura de destaque no cenário cultural
brasileiro, dimensionando seus trabalhos para diferentes fronteiras artísticas,
que vão do funk ao teatro, e com produções nacionais e internacionais. Nascida
e criada na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, Alitta se dedica a desafiar
preconceitos dentro de contextos ainda profundamente marcados pelo racismo e
pela transfobia. A artista alcançou um marco inédito ao ser a primeira mulher
trans preta a ser indicada ao Prêmio Shell de Melhor Atriz por sua
interpretação de Nara Leão no espetáculo Chega de Saudade! (2022),
com direção de Marco André Nunes e texto de Pedro Kosovski.
Ao longo dos anos, Alitta
vem utilizando o teatro, o funk e a cultura Ballroom como ferramentas poderosas
de expressão e resistência, confrontando diretamente as estruturas opressoras
que tentam silenciar artistas como ela.
Essa conquista, no entanto, não veio facilmente. Em uma sociedade onde corpos pretos e trans enfrentam barreiras sistêmicas, Alitta usa sua arte como um meio de luta e transformação. “Eu nasci esperta, mas não nasci branca”, reflete ela, destacando o impacto do racismo estrutural em sua vida e carreira.
Luta
e Resistência
Alitta começou sua
trajetória artística no teatro carioca, se destacando por sua atuação visceral
e profunda ligação entre arte e questões sociais. Contudo, o reconhecimento
público e as oportunidades não foram imediatos. Durante anos, a atriz enfrentou
não apenas as dificuldades de ser uma artista independente, mas também a dura
realidade de ser uma mulher trans preta em um ambiente majoritariamente branco
e cisgênero. “Chegou um momento em que o nível de estresse estava tão alto que
o corpo começou a sentir. Foi quando percebi que precisava mudar minha
abordagem”, conta.
Essa mudança de
perspectiva levou Alitta a se destacar em diversas frentes, consolidando seu
nome não só no teatro, mas também na música. O funk tornou-se outra forma
de expressar sua luta. Para ela, o teatro e o funk representam dois mundos
distintos: um voltado à elite e o outro à periferia. Mesmo assim, ambas as
formas artísticas carregam a mesma força transformadora em sua vida. “Com o
funk, eu introduzo a pauta sobre racismo. A arte me fez entender o racismo
estrutural que vivemos no Brasil e me deu as ferramentas para lutar contra
ele”, afirma Alitta, que também utiliza sua voz para denunciar a criminalização
de culturas negras e periféricas.
Um dos destaques de sua
carreira foi quando atuou como jurada do FESTU, o maior festival universitário
de teatro do Brasil, e protagonizou um momento histórico para a cultura
Ballroom. Por meio de sua participação, ela conseguiu abrir espaço para as
Houses da cultura Ballroom no festival, algo inédito em suas edições. Para ela,
essa conquista representa muito mais do que uma simples inserção em um
festival: é a validação de que essas pessoas, em sua maioria negras, trans e
periféricas, também produzem arte, mesmo que fora dos moldes tradicionais da
academia.
“A Ballroom é mais do que
uma dança. É um movimento político, social, cultural e educacional”, explica
Alitta, que dirigiu o filme The Face of Ball em 2021, sobre a
cena Ballroom. O filme originou um festival de seis dias no Rio de Janeiro, o
primeiro voltado exclusivamente para essa cultura, que deu visibilidade a
pessoas marginalizadas. Para Alitta, essa movimentação artística, além de gerar
empregabilidade, é uma extensão do filme e um passo significativo na luta por
inclusão. “As Houses são formadas por pessoas que muitas vezes foram expulsas
de casa, que não vivem, sobrevivem. Agora, essa comunidade, que sempre foi
invisibilizada, tem a oportunidade de mostrar sua arte e sua resistência”, diz.
Com a inclusão das Houses no FESTU em 2025, Alitta conseguiu pavimentar o caminho para uma nova geração de artistas dissidentes. Ela vê essa conquista como uma vitória coletiva e um avanço para a comunidade LGBTQIAPN+ que, apesar de não ter acesso às formas tradicionais de ensino, encontra na arte um meio de estudo, resistência e transformação.
Reconhecimento
internacional
A ascensão de Alitta no
teatro não se restringe ao Brasil. Após o término da temporada de Macário
do Brazil, no TUSP (São Paulo), com direção de Carlos Canhameiro, em
setembro de 2024, ela está nas últimas semanas de turnê europeia do
espetáculo A Noiva e o Boa Noite Cinderela, que circula em cidades
como Paris, Antuérpia e Varsóvia. Em 2024, ela foi premiada pelo espetáculo com
o título de Best Performance no Festival Radikal Jung, em
Munique, e se tornou a primeira pessoa trans a ter um texto publicado pela
renomada editora francesa Les Solitaires Intempestifs.
Para Alitta, o
reconhecimento internacional é uma forma de amplificar sua luta contra o
racismo e a transfobia, questões que ela enfrenta tanto em sua vida pessoal
quanto em sua carreira. No Brasil, ela ressalta que ainda é, muitas vezes, a
única pessoa preta e trans nos projetos em que trabalha. Apesar disso, ela
acredita que suas conquistas representam um passo importante para que outras
mulheres trans negras e periféricas tenham suas vozes ouvidas. “Tudo o que
conquistei é resultado de uma luta coletiva. As mulheres trans negras do
passado abriram o caminho para que eu pudesse ser pioneira hoje, e agora eu
estou pavimentando os caminhos para a próxima geração”, afirma.
Alitta também reflete
sobre o impacto do racismo estrutural no Brasil, onde o teatro ainda é um
espaço elitizado e predominantemente branco. Para ela, o fato de ser
reconhecida como a “primeira dama do teatro de sua geração” por alguns críticos
é uma honra, mas também um lembrete de que essa luta está longe de acabar. “O
que me une a figuras como Cacilda Becker não é o título, mas a luta de cada uma
em seu tempo. Elas foram agentes de transformação social e política, assim como
eu busco ser agora, conscientemente e inconsciente também. É algo que está no
corpo. Na pele”, finaliza.
Créditos: Angelina Colicchio Bosísio | Pevi 56
* Este conteúdo foi enviado pela assessoria de imprensa
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