A complexidade de identificar o Narcisismo, por Adelmo Marcos Rossi*
Por ser adquirido na infância, o conceito de Narcisismo é um dos mais difíceis de ser percebido. Ao ver um filme ou ler um livro, é comum considerá-lo peça de ficção, algo fora da realidade. Mas ele causa espanto no espectador ao descobrir que o que viu em cena está acontecendo também em si.
Tolstói
fez enorme sucesso com suas grandes obras, Anna Kariênina e Guerra e Paz. Na
época, ele estava “bem casado” e “bem de vida”, mas não se deu conta que
narrava sobre si mesmo. Estava, talvez, tão separado do que produzia que não
percebia como aquela ficção representava a ele mesmo. Em 1878, passou por uma
crise existencial, então publicou Uma confissão e logo a seguir A morte de Ivan
Ilitch. Mas havia uma diferença essencial entre as obras: nestas últimas, os textos
eram mais pessoais, o eu lírico era o autor.
Esse
fenômeno de disjunção acontece pelo fato de o Narcisismo não ser inerente ao
ser humano, ele vem de fora, sem que seja percebido no período de formação, que
vai de zero a cinco anos. Uma vez adquirido, a inconsciência do Narcisismo
estará em ação no sujeito, que segue adiante sem perceber ter assimilado um
conceito necessário para o cuidado de si, para a responsabilidade e o desejo de
ter sucesso na vida - mas que também é fonte de doenças.
Essa
aquisição inconsciente do Narcisismo faz com que ele seja um dos conceitos mais
difíceis de ser percebido.
Na
literatura, Machado de Assis introduziu, desde bem jovem, o conceito de
Narcisismo como princípio de seu pensamento, o que o protegeu de surpresas. E ele
passou oculto junto com sua psicologia sem que tivesse sido até hoje
descoberto, e apresentado no recém-lançado “O Imortal Machado de Assis – Autor
de si mesmo”.
O
conceito de Narcisismo foi percebido logo cedo por Machado, aos 17 anos, ao
estudar o relacionamento humano, e o combinou com outras perspectivas –
Petalogia, Rubicon, Diógenes, Caiporismo, Ponto de Admiração, Prometeu no
Cáucaso, Espelho –, posteriormente descobertas por Freud.
No
lado de Freud, ele não tinha uma escolha profissional definida. Por acidente,
tornou-se médico aos 26 anos, vindo a criar, depois dos 40, uma psicologia
dentro da medicina para atender aos pacientes. Nesse campo, que nomeou
psicanálise, tomou como princípio o inconsciente. Em 1914, aconteceu uma
reviravolta quando Freud se deu conta de que o que se encontrava oculto por
detrás das doenças era, na verdade, a inconsciência do Narcisismo.
Para
perceber isso, Freud partiu das doenças causadas pela inconsciência do
Narcisismo que empurra a se fazer notar a qualquer custo - engolindo fogo, como
os artistas de circo -, e não de um inconsciente que existe por si mesmo. É aí
que está o diferencial de Machado de Assis: ter tomado o Narcisismo como
princípio de seu pensamento protegeu-o de ser surpreendido como aconteceu com Tolstói
ou Freud.
*Adelmo
Marcos Rossi é psicólogo, filósofo e escritor. Coordena o Grupo de Pesquisa do
Narcisismo e publicou “A Cruel Filosofia do Narcisismo” (2021) e “O Imortal
Machado de Assis – Autor de si mesmo” (2024).
Agradecimentos: Victória Gearini |
LC Agência de Comunicação
** Este conteúdo foi enviado pela assessoria de imprensa
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