Titãs: 30 anos de “Domingo”

 

"Domingo", dos Titãs, completa 30 anos de lançamento em 2025.

Hoje, 3 de dezembro, seria o aniversário do eterno titã Marcelo Fromer, que completaria 64 anos de vida. Então, como forma de homenageá-lo, nada mais justo falar sobre o álbum “Domingo”, o oitavo disco de estúdio dos Titãs, que completou 30 anos de lançamento no último mês de novembro. Gravado durante o mês de setembro no Be Bop Sound, em São Paulo, o trabalho teve a produção de Jack Endino e lançado pela WEA.


Depois da turnê de “Titanomaquia”, os Titãs resolveram tirar umas férias e, praticamente durante todo o ano de 1994, boa parte do então septeto (Arnaldo Antunes havia saído recentemente) investiu em outros trabalhos paralelos: Branco Mello e Sérgio Britto lançaram “Con El Mundo A Mis Pies” com o Kleiderman; Paulo Miklos e Nando Reis lançaram seus primeiros álbuns solos; o guitarrista Tony Bellotto lançou-se no mundo da literatura e editou o seu primeiro livro: “Bellini e a Esfinge”; enquanto Marcelo Fromer e Charles Gavin, provavelmente, passaram o período de descanso curtindo seus respectivos hobbies: falando de futebol na Folha de São Paulo e “garimpando” vinis, respectivamente. Durante essa pausa, a gravadora da banda lançou a coletânea “Titãs 84/94” em dois volumes com os principais sucessos do grupo (só faltou “Insensível”, mas tudo bem).


No retorno ao trabalho, em abril de 1995, os Titãs se juntaram a Jack Endino, o produtor do álbum anterior, para a pré-produção e, depois de quatro meses de ensaio, entraram em estúdio e lançaram “Domingo”. Inclusive, por sugestão do próprio produtor, os Titãs voltaram às suas características dos álbuns mais antigos, ou seja, sem o peso e som “sujo” de “Tudo Ao Mesmo Tempo Agora” (1991) e “Titanomaquia” (1993), mas algo mais próximo de “Televisão” (1985) e “Õ Blésq Blom” (1989). Ou seja, com rock pop mais básico, com refrãos e riffs mais “impregnantes”. Além disso, o álbum encerrou a sequência que o grupo havia adotado nos créditos dos dois últimos trabalhos, ou seja, em vez de todas as canções serem creditadas como “Titãs”, elas foram dadas a quem, de fato, as escreveu, melhor para Sérgio Britto, que foi autor ou co-autor de quase todas as músicas do play (exceto “O Caroço da Cabeça”, “Eu Não Aguento”, que é cover da banda Tiroteio, mas é ele quem a canta, e “Rock Americano”, que é da dupla Mauro e Quitéria, mas que foi adaptada pelo tecladista).


O disco inicia com uma intro de “Sangue Latino”, uma justa homenagem ao Seco & Molhados (aliás, o tributo à banda de Ney Matogrosso, João Ricardo e Gérson Conrad também se fez presente no clipe da música) e, depois, o arranjo de “Eu Não Aguento” ganha peso e o refrão grudento. No final, Sérgio Boneka, da banda Tiroteio e um dos autores da canção, participa e cantarola junto com Sérgio Britto. Na versão de “Volume Dois” (1998) foi regravada com outro arranjo, voltado mais para o samba, em um ‘medley’ com “Sr. Delegado”, de Germano Mathias. Em seguida, vem a bacana faixa-título. Escrita por Sérgio Britto e Tony Bellotto e cantada por Paulo Miklos, é um pop-rock com uma letra interessante sobre a monotonia do “dia de descanso”, com direito a alusões ao Programa Silvio Santos e ao comércio fechado. Aliás, na época, lembro de que o grupo foi no Domingão do Faustão e, obviamente, não tocaram “Domingo” para não fazer “propaganda gratuita” ao concorrente. E também os caras apareceram no “Porta da Esperança”, do próprio Silvio Santos que, inclusive, “agradeceu” à banda pela “publicidade”. Destaques para os vocais de Miklos e ao riff. Em seguida, vem “Tudo O Que Você Quiser”, cantada por Branco Mello, um pop com letra romântica, porém, acelerada para manter a pegada do disco. O quarto tema é “Rock Americano”, uma letra nonsense creditado à dupla Mauro e Quitéria, sim, o casal repentista pernambucano que participou das gravações de “Õ Blésq Blom”. Aqui, Nando Reis mata a pau na linha de baixo. Já em “Tudo Em Dia”, Branco Mello fala a respeito do padrão de vida de boa parte da população brasileira: contas para pagar, aspirações de coisas mundanas, tirar documentos e, por aí vai. Aliás, essa foi a única faixa do álbum que teve a assinatura de Arnaldo Antunes. Inclusive, o ex-vocalista sempre colaborou com os ex-companheiros, pois, excetuando o álbum de covers “As Dez Mais” (1999), a ópera-rock “Doze Flores Amarelas” (2018) e “Olho Furta-Cor” (2022), os Titãs sempre tiveram uma ou outra canção com Arnaldo como um dos autores. O sexto tema é a divertida “Vámonos”, escrita em espanhol recheada de palavrões e sarcasmo. Na versão em K-7 que tinha de “Domingo”, ela estava creditada na fita como “No Me Quieren Entender”. E o play chega à metade com a incrível “Eu Não Vou Dizer Nada (Além do Que Estou Dizendo)”, com direito a metalinguagem e a referências a músicas antigas, como “Flores” e “Televisão”. Aliás, a música fez parte da trilha sonora da novela “Perdidos de Amor” (1996/1997), exibida na TV Bandeirantes. Destaque para a participação especial de João Barone, d’Os Paralamas, na segunda bateria.


Falando em Paralamas, na sequência, outra faixa do álbum que tem a participação de mais um integrante da banda que foi tocar na capital: Herbert Vianna, que faz o solo em “O Caroço da Cabeça”, faixa que ele compôs juntamente com Nando Reis e Marcelo Fromer e que também inseriu no álbum “Nove Luas” (1996), de sua banda. A reflexiva e otimista faixa foi a única cantada por Nando em todo o disco. Posteriormente, os Titãs também se descontraem em outra faixa cantada em outro idioma: a “italianíssima” “Ridi Pagliaccio”, cantada por Branco Mello e com Paulo Miklos tocando sax como nos tempos do álbum “Go Back” (1988). Em seguida, vem “Qualquer Negócio”, que a banda critica a apelação das propagandas de TV, a febre dos importados e o sensacionalismo dos jornais, mais precisamente, na parte em que Paulo “noticia” que cada um deles foram “vítimas” de algo tenebroso, como mortes, prisões, sequestros, desaparecimentos e afins e que o único que se salvou foi Arnaldo Antunes que foi “libertado”, pois “havia sido sequestrado ao sair de um baile funk no Morro do Chapéu, na Mangueira, na Zona Sul, do Rio de Janeiro”.  Depois, vem a “tribal” “Brasileiro”, com seus versos que descrevem a “brasilidade”. A faixa tem as participações de Andreas Kisser e Igor Cavalera, na época, ambos faziam parte do Sepultura e, como é de conhecimento de todos, hoje, só o guitarrista permanece na banda). A faixa 12 da obra é a descontraída “Um Copo de Pinga”, com letra de domínio público que apresenta a saga do cachaceiro que vai desde o plantio da cana até a bronca que recebe da mãe para parar de beber. Enquanto em “Turnê”, como o nome indica, faz referência às exaustivas excursões que a banda fazia desde o estouro de “Cabeça Dinossauro” (1986). E a versão original de “Domingo” é encerrada pela reflexiva “Uns Iguais Aos Outros”, uma letra politizada em que Paulo Miklos e Sérgio Britto dividem os vocais e a letra deixa bem claro que, independentemente de sua cor, credo, classe econômica, social, religião, nacionalidade, etc., somos todos iguais. Uma letra bem atual, vide os casos de George Floyd, nos Estados Unidos, e João Alberto Silveira Freitas, em Porto Alegre, por exemplo, sem contar os demais casos de intolerâncias que vemos por aí. A música já foi tema de redação do ENEM em 2007, assim como foi “Ninguém = Ninguém”, canção dos Engenheiros do Hawaii.

Em 1996, “Domingo” foi relançado acrescido de quatro faixas bônus: “Pela Paz”, composta originalmente em 1985 e lançada uma década depois. Na ocasião, havia uma grande mobilização da campanha pela paz e, até mesmo, lembro-me perfeitamente de que a 89 FM, de São Paulo, promoveu uma caminhada pela paz, em dezembro de 1996, que começou com uma caminhada pela Avenida Paulista em direção à Praça Charles Miller, no Pacaembu, e que terminou com um show dos Titãs que, claro, tocaram essa música. As demais faixas extras, foram as versões remixadas de “Eu Não Vou Dizer Nada (Além do Que Estou Dizendo)”, remixado por Liminha e dois remixes (!!!) de “Tudo O Que Você Quiser”. Sinceramente, essas faixas remixadas podem ser dispensadas na audição do álbum, não acrescentam em nada.


O álbum foi até bem aceito pelo público, mas, hoje, três décadas depois, não é tão comentado quanto aos eternos “Cabeça”, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” e “Õ Blésq Blom”, que é até compreensível, contudo, certamente, é melhor que a maioria dos registros de estúdio que os Titãs lançaram ao longo do século XXI, exceto “Nheengatu” (2014), que esse sim, acho que é um baita álbum dos Titãs e é ligeiramente melhor que “Domingo”.


Sim, a obra vale ser consumida, revisitada pelos fãs e mais aprofundada pela “geração Epitáfio”.

A seguir, a ficha técnica e o tracklist (da versão relançada em 1996) da obra.

Álbum: Domingo
Intérprete: Titãs
Lançamento: novembro de 1995
Gravadora/Distribuidora: WEA
Produtor: Jack Endino

Branco Mello: voz e backing vocal
Charles Gavin: bateria, samplers e programação rítmica
Marcelo Fromer: guitarra, violão em “Um Copo de Pinga”, “Pela Paz” e “Eu Não Vou Dizer Nada (Além do Que Estou Dizendo) – Remix Liminha
Nando Reis: baixo, voz em “O Caroço da Cabeça”, backing vocal e violão em “O Caroço da Cabeça” e “Um Copo de Pinga
Paulo Miklos: voz, backing vocal, programação e edição de samplers, saxofone em “Ridi Pagliaccio”, teclados em “O Caroço da Cabeça” e bateria em “Um Copo de Pinga
Sérgio Britto: voz, backing vocal, teclados, terceira guitarra em “Domingo” e “Um Copo de Pinga
Tony Bellotto: guitarra, violão, slide em “Pela Paz”, dobro em “Eu Não Vou Dizer Nada (Além do Que Estou Dizendo)

Andreas Kisser: terceira guitarra em “Brasileiro
Igor Cavalera: segunda bateria em “Brasileiro
Herbert Vianna: guitarra solo em “O Caroço da Cabeça
João Barone: segunda bateria em “Eu Não Vou Dizer Nada (Além do Que Estou Dizendo)
Sérgio Boneka: vocal em “Eu Não Aguento
Marcos Suzano: percussão em “Eu Não Aguento”, “Turnê” e “Qualquer Negócio
Aureo Galli: samplers em “Rock Americano
Liminha: programação, bateria, baixo, bandolim e violão em “Pela Paz“; programação e samplers em “Eu Não Vou Dizer Nada (Além do que Estou Dizendo) Remix Liminha

1. Sangue Latino (Intro)/Eu Não Aguento (João Ricardo/Paulinho Mendonça) (Boneka/Cássio/Trambolho (Banda Tiroteio))
2. Domingo (Tony Bellotto / Sérgio Britto)
3. Tudo O Que Você Quiser (Branco Mello / Charles Gavin / Sérgio Britto)
4. Rock Americano (Mauro / Quitéria)
5. Tudo Em Dia (Arnaldo Antunes / Branco Mello / Sérgio Britto)
6. Vámonos (Sérgio Britto)
7. Eu Não Vou Dizer Nada (Além do Que Estou Dizendo) (Charles Gavin/Marcelo Fromer/Nando Reis/Paulo Miklos/Sérgio Britto/Tony Bellotto)
8. O Caroço da Cabeça (Herbert Vianna / Marcelo Fromer / Nando Reis)
9. Ridi Pagliaccio (Tony Bellotto / Branco Mello / Sérgio Britto)
10. Qualquer Negócio (Sérgio Britto / Paulo Miklos / Charles Gavin / Tony Bellotto / Branco Mello / Marcelo Fromer)
11. Brasileiro (Branco Mello / Charles Gavin / Sérgio Britto / Tony Bellotto)
12. Um Copo de Pinga (Folclore Popular / Sérgio Britto)
13. Turnê (Charles Gavin / Sérgio Britto / Branco Mello / Nando Reis)
14. Uns Iguais Aos Outros (Charles Gavin / Sérgio Britto)
15. Pela Paz (Paulo Miklos / Sérgio Britto / Branco Mello / Charles Gavin / Nando Reis)
16. Eu Não Vou Dizer Nada (Além do Que Estou Dizendo) (Remix Liminha) (Charles Gavin/Marcelo Fromer/Nando Reis/Paulo Miklos/Sérgio Britto/Tony Bellotto)
17. Tudo O Que Você Quiser (Remix Paul Ralphes) (Branco Mello / Charles Gavin / Sérgio Britto)
18. Tudo O Que Você Quiser (Remix DJ Cuca) (Branco Mello / Charles Gavin / Sérgio Britto)

Por Jorge Almeida

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