Acervo Bajubá lança ‘Arquivo Transformista’, acervo digital público e gratuito que preserva e celebra a memória da arte transformista em São Paulo *

  

O projeto reúne trajetórias de ícones como Aloma Divina, Kelly Cunha, Gretta Starr, Marcinha do Corintho e Victoria Principal

Em um ano em que a Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ de São Paulo destaca a importância da memória e da longevidade na comunidade, o lançamento do projeto Arquivo Transformista: acervos e memórias da arte transformista em São Paulo surge como um marco fundamental. A iniciativa, idealizada pelo Acervo Bajubá, visa resgatar e celebrar a contribuição inestimável de artistas transformistas para a cultura LGBTQIAPN+ na cidade, com um foco especial nas vozes e acervos de artistas com mais de 50 anos, como Aloma Divina, Kelly Cunha, Gretta Starr, Marcinha do Corintho e Victoria Principal,  em sua maioria mulheres transexuais e travestis, pioneiras na arte e na resistência LGBTQIAPN+ brasileira. 

O projeto cria um acervo digital público e gratuito, que documenta a rica história da arte transformista em São Paulo a partir do final dos anos 1960, sendo uma resposta direta à invisibilidade dessas narrativas em veículos de imprensa e arquivos tradicionais, preenchendo uma lacuna histórica crucial. A arte transformista não é somente uma forma de expressão artística; ela é um pilar na construção da cultura LGBTQIAPN+, um espaço de resistência e um catalisador para o desenvolvimento de saberes e tecnologias que culminam na arte drag queen contemporânea para artistas como Pabllo Vittar, Gloria Groove e Lia Clark. 

“O que eu não tive lá atrás, de início de carreira, estou tendo na minha velhice. Foi uma surpresa e muito gratificante o convite. O que eles estão fazendo é lindo. Sei que serei lembrada por muitos e muitos anos”, celebra Aloma Divina, 76, uma das artistas homenageadas.  

Um dos pontos mais relevantes do Arquivo Transformista é a valorização do protagonismo de artistas com mais de 50 anos e a possibilidade de celebrar as vidas das cinco artistas participantes.

“Ter minha memória e trajetória preservadas em um acervo digital é de uma importância imensa. É uma forma de garantir que a história de artistas como eu seja contada e reconhecida, alcançando novas gerações”, destaca Kelly Cunha, 78. 

No processo, o Acervo Bajubá realizou pesquisas aprofundadas nos acervos pessoais das cinco artistas transformistas que atuaram em São Paulo, sobretudo nas décadas de 1970 e 1980, coletando fotos de cada uma delas.

A escolha das artistas participantes não foi aleatória; elas representam a resiliência e a criatividade de uma geração que, muitas vezes, encontrou na arte transformista a única via para expressar suas identidades de gênero, produzir arte e garantir sua inserção no mercado de trabalho, especialmente para mulheres transexuais e travestis. 

As fotos disponibilizadas publicamente pelo projeto registram suas apresentações em casas noturnas de São Paulo, muitas das quais já não estão mais em atividade, como o Medieval, a Boate Corintho, a Nostro Mondo e a Freedom; a participação delas em eventos como as Paradas do Orgulho LGBTQIA+, o carnaval e os concursos de beleza; suas experiências de trabalho no exterior; e aspectos de sua vida privada, como suas relações familiares e de amizade fora dos palcos.

"Com 40 anos de carreira, é muito importante para mim fazer parte do Arquivo Transformista, pois, de alguma forma, me mantém viva. Deixa meu legado, minha história, minha resistência, e um dia, quando eu partir, as pessoas se lembrarão de mim por tudo que fiz", complementa Marcinha do Corintho, 58, que iniciou a transição aos 14 anos.

Processo de pesquisa 
O projeto é resultado de uma relação que o Acervo Bajubá construiu com as cinco artistas participantes. Como resultado de uma parceria que ocorre desde 2022 com o Memorial da Resistência de São Paulo, os testemunhos de Aloma Divina, Kelly Cunha, Gretta Starr, Marcinha do Corintho e Victoria Principal podem ser consultados no Centro de Referência da instituição, onde o Acervo Bajubá idealizou e fomentou a coleção Memórias à margem: ordem social e normatividades na ditadura, centrada, sobretudo, em relatos de experiências de pessoas LGBTQIA+ nos períodos da ditadura e da redemocratização em São Paulo.

A partir desse contato, as pessoas pesquisadoras do Bajubá conheceram as histórias de vida das cinco artistas, assim como suas memórias sobre a noite de São Paulo. O processo de pesquisa se desenvolveu, então, nos acervos pessoais de cada uma delas. Foi realizada uma curadoria de cerca de 50 fotografias a partir dos álbuns de fotos guardados em suas casas. Após a seleção das fotos, as artistas foram convidadas a participar da produção das legendas explicativas, identificando lugares, pessoas e eventos — resultando em aproximadamente 250 fotografias de acervos pessoais. 

“Ser escolhida para estar no Arquivo Transformista, que estará disponível digitalmente para várias pessoas terem acesso, é de uma importância imensa. É fundamental que a história de artistas como eu seja preservada”, enfatiza também Victoria Principal, 55, a artista mais jovem do projeto. 

As pessoas que estiveram à frente da pesquisa foram: Angel Natan, Alexandre dos Anjos, Marcos Tolentinto e Yuri Fraccaroli. Eles defendem que a importância desse trabalho reside na possibilidade de acessarmos registros sobre o cotidiano de pessoas que geralmente não estão incluídas nas narrativas sobre história e memória LGBTQIA+, que geralmente se centram em pessoas que participaram de grupos organizados do chamado movimento LGBTQIA+. 

"É um afago no meu coração e a prova de que deu certo ter feito tudo aquilo que tinha vontade de fazer", afirma Gretta Starr, 70, sobre a coragem de abraçar o transformismo e ver sua trajetória agora eternizada online.

"Sou uma travesti que construiu um vínculo de amor e carinho com essas artistas, reconhecendo em cada uma delas a força que mantém viva nossa memória. Cada trajetória é um espelho da minha; poder colaborar com a trajetória de cada uma delas é a maior honra que eu poderia receber”, afirma Angel Natan, pesquisadora. 

Ações
Além da criação do acervo digital, o projeto também realizará um evento de lançamento no Mitte Bar com apresentação das artistas homenageadas. No Museu da Diversidade Sexual, será realizada ainda uma roda de conversa sobre memórias da arte transformista em São Paulo com as cinco artistas participantes e uma oficina de arte drag queen e desenvolvimento de personagem. 

Sobre o Acervo Bajubá
Nascido em 2010 por iniciativa de um grupo de artivistas, artistas, colecionadores e pesquisadores LGBTQIA+, o Acervo Bajubá é um arquivo comunitário de registro de memórias das comunidades LGBTQIA+ brasileiras, reunindo uma coleção de itens que registram a história da diversidade sexual e a pluralidade de expressões e identidades de gênero no Brasil.

Além disso, o Bajubá colabora com exposições, capacitações e projetos de produção, mediação e circulação de narrativas sobre as histórias de pessoas LGBT+. 

Desenvolvendo ações de mediação e oficinas de ativação da coleção do acervo, o grupo de pessoas educadoras e pesquisadoras que se articula a partir do Acervo Bajubá contribui na manutenção do projeto, restauro de materiais e continuidade das pesquisas.

Sobre as artistas
Aloma Divina
Aloma Divina nasceu em Salvador (BA), em 1º de janeiro de 1949. Aos nove anos, fugiu para o Rio de Janeiro (RJ), onde viveu nas ruas, até conhecer a costureira e artista transformista Úrsula, que a levou para trabalhar nos bastidores do espetáculo Eles são elas. Trabalhou vestindo as artistas do espetáculo Les Girls, no Teatro Rival, até ser incluída no corpo de baile. Iniciou, então, uma carreira na arte do transformismo, apresentando-se no Teatro Rival, Teatro Brigitte Blair e Cabaré Casanova. Mudou-se para São Paulo (SP), em 1974, onde se tornou uma das estrelas da boate Medieval. Em 1979, migrou para Milão (Itália), vivendo em diversos países europeus por 12 anos. Ao retornar ao Brasil, estabeleceu-se entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Atualmente, vive em Arembepe, município de Camaçari (BA), e continua excursionando pelo país com suas apresentações. 

Gretta Starr
Gretta Salgado Silveira (Gretta Starr) nasceu em Santos (SP), em 10 de setembro de 1955. Em 1974, mudou-se para São Paulo (SP) para cursar a faculdade. Após três anos, voltou para Santos, onde trabalhou na boate Pink Panther, iniciando sua carreira na arte transformista. Em 1979, ganhou o título Miss Universo Gay. Entre 1985 e 1989, viveu no Japão e apresentou-se em países do Leste Asiático. Ao retornar ao Brasil, estabeleceu-se em São Paulo. Na década de 1990, descobriu que vivia com HIV e, em um espetáculo na boate Blue Space, revelou publicamente sua sorologia. Envolveu-se na organização da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo e na luta em defesa dos direitos de mulheres transexuais e travestis. Atualmente, vive em São Paulo, trabalha como artista transformista, atriz e maquiadora e mantém uma boa relação com sua família.

Kelly Cunha
Kelly Cunha nasceu em São Paulo (SP), em 5 de dezembro de 1946. Na adolescência, tornou-se cabeleireira, sendo contratada em 1965, pelo salão Taluhama. Em 1967, iniciou sua carreira na arte do transformismo na boate Top Room, que posteriormente se tornaria Nostro Mondo. Em 1968, venceu seu primeiro concurso de beleza, tornando-se Miss Boneca Paulista, seguido de cerca de trinta vitórias em concursos do tipo. Em 1970, fez parte do elenco do espetáculo Les Girls, no Teatro das Nações. Dois anos depois, participou da peça Nossa banda é um barato, com Antônio Fagundes e Darlene Glória. Em 1981, deixou os palcos, dedicando-se apenas ao ofício de cabeleireira. Entre seus clientes, estavam personalidades do entretenimento, como Ronnie Von e Rogéria. Trabalhou ainda como atriz em filmes de pornochanchada, como A Super Fêmea (1973), As Delícias da Vida (1974) e A Noite dos Bacanais (1981).

Marcinha do Corintho
Marcinha do Corintho nasceu em Belo Horizonte (MG), em 3 de setembro de 1967. Ainda na infância, mudou para São Paulo (SP) para morar com sua avó, que a criou. Na adolescência, começou a trabalhar na boate Nostro Mondo, pertencente à Condessa Mônica. Aos 16 anos, viajou para Madri, Espanha, onde ficou por aproximadamente 40 dias, pois acabou sendo deportada para o Brasil. Ao retornar para São Paulo, tornou-se uma das principais estrelas da boate Corintho. Além disso, ficou conhecida nacionalmente por suas participações nos desfiles de escola de samba do Rio de Janeiro (RJ) e nos programas do Bolinha e de Silvio Santos. Em 1988, migrou para Milão, Itália, onde viveu por cerca de trinta anos. Atualmente, vive em São Paulo e continua trabalhando como artista transformista. 

Victoria Principal
Antônio Marcos Gonçalves Mendes (Victoria Principal) nasceu em São Paulo (SP), em 21 de outubro de 1970. Durante a infância e a pré-adolescência, vendia flores com sua mãe e irmãos pelas ruas e estabelecimentos da Boca do Luxo. Aos 16 anos, entrou pela primeira vez na casa noturna Homo Sapiens, onde a artista transformista Frank Ross a convidou para fazer uma dublagem. A partir de então, iniciou sua carreira no transformismo, apresentando-se nas boates Homo Sapiens, Nostro Mondo, Mad Queen, Gent's e Rave. Tornou-se conhecida como uma artista caricata, um dos estilos da arte transformista em voga nos anos 1970 e 1980, arte à qual se dedica ainda hoje. Atualmente, vive em São Paulo. 

SERVIÇO
Oficina de arte drag queen e desenvolvimento de personagem com mediação de Lufer Sattui
Data: 11/10 (sábado)
Horário: 14h às 16h
Local: Centro de Referência e Empreendedorismo do Museu da Diversidade Sexual. Av. São Luís, 120, República, São Paulo, SP

Roda de conversa sobre memórias da arte transformista em São Paulo com as cinco artistas participantes 
Data: 12/10 (domingo)
Horário: 15h às 17h
Local: Centro de Referência e Empreendedorismo do Museu da Diversidade Sexual. Av. São Luís, 120, República, São Paulo, SP

Ficha técnica
Produção executiva: Angel Natan
Coordenação de pesquisa: Yuri Fraccaroli
Pesquisa: Marcos Tolentino, Alexandre dos Anjos
Artistas participantes: Aloma Divina, Kelly Cunha, Gretta Starr, Marcinha do Corintho, Victoria Principal
Consultoria jurídica: Pedro Vieira
Assessoria de imprensa: Julio Sitto
Direção de arte e design: Thais Esmeraldo
Webdesign e desenvolvimento: Harpya Satanara
Projeto de acessibilidade do site: Paulo Henrique da Silva Leonardo
Consultoria em acessibilidade: Caia Gusmão Ferrer
Consultoria contábil: José Tolentino
Gestão de redes sociais: Rafitos Silva
Tradução simultânea/Libras: Verena Teixeira e Leonardo Gatinho
Figurino: Alexandre dos Anjos
Fotografia: Ivi Bugrimenko
Videomaker: Jansey Oliveira

O projeto Arquivo Transformista: acervos e memórias da arte transformista em São Paulo foi contemplado pelo Edital Fomento CultSP Proac n.º 15/2024 — Fortalecimento da Cultura LGBTQIA+.

Créditos: Julio Sitto | A4&Holofote Comuniucação


* Este conteúdo foi enviado pela assessoria de imprensa

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